Intercâmbio na Inglaterra pelo Ciências sem Fronteiras
A Thaís acabou de voltar de 1 ano de intercâmbio na Inglaterra pelo programa Ciências sem Fronteiras, e amou a experiência. Além de complementar seu estudo de medicina no Brasil com uma grade curricular escolhida por ela, ela teve a chance de fazer uma imersão na cultura inglesa e fazer várias viagens pela Europa. Nesta entrevista, a Thaís divide com a gente um pouco da experiência dela na inglaterra, como foi o processo seletivo, e muitas dicas para quem pretende algo parecido.
Como funciona a seleção do programa e a escolha de países?
Escolha de países
Antes de qualquer seleção, você tem a opção de se inscrever para o intercâmbio em diversos países (Alemanha, Bélgica, Austrália, Reino Unido, Estados Unidos, Hungria, dentre tantos outros). O estudante pode se inscrever quantas vezes quiser, mas só o último formulário preenchido até a data de fechamento será computado. Ou seja, se a pessoa tiver colocado Austrália (como eu fiz), mas depois se arrepender, há a opção de trocar (como eu fiz!).
Nota mínima necessária para participar
Quando eu me inscrevi, o edital dizia que o estudante deveria ter no mínimo 20% do curso completo aqui no Brasil, a média geral do estudante deveria ser maior que 7 (tinha um equivalente em GPA, mas não me lembro exatamente) e o ENEM seria utilizado como medida de desempate.
Seleção dos Estudantes
A seleção começa na própria faculdade de origem. O responsável pelo Ciência sem Fronteiras da instituição avalia os seus documentos e faz a homologação, no caso da Inglaterra, para o CNPq (em alguns países, as bolsas de estudo são organizadas pela CAPES). Ouvi casos de amigos, em que houve um tipo de pré-seleção da própria faculdade, devido ao grande número de estudantes interessados. No meu caso, éramos apenas 2 então não foi preciso.
O CNPq então avalia seu histórico escolar, TOEFL/IELTS, Currículo Lattes e ENEM e então aprova (ou não) a bolsa.
Aprovação da faculdade e aprovação da bolsa
O interessante (e um pouco confuso e angustiante) é que entre a homologação pela faculdade e pelo CNPq, você já pode escolher o curso e universidade que deseja. Então, a faculdade pode te aceitar e te mandar uma Letter of Acceptance, sem você saber o resultado final do CNPq, se sua bolsa foi concedida ou não. Eu comecei a pensar em me inscrever em Outubro de 2012, fiz a prova de proficiência em inglês em Novembro e preenchi a ficha de inscrição em Janeiro de 2014. A faculdade me aceitou em Abril (lembro até o dia, 8) e o resultado final do CNPq foi liberado no final do mesmo mês, se não me engano.
Qual o nível de inglês necessário?
O programa aceita dois exames de proficiência, no caso do inglês: o TOEFL e o IELTS. A nota mínima varia de país para país. Para a Inglaterra, a nota mínima no TOEFL era 90 e no IELTS, 7 (se não me engano), sendo que o estudante deveria ter uma nota mínima em todas as bandas: Reading, Writing, Speaking e Listening. Como o IELTS é britânico, eles aceitam uma nota relativamente mais baixa do que no TOEFL, mas eu não tinha datas disponíveis para o IELTS e acabei prestando o TOEFL e não me arrependo.
Quem não atinge o nível de inglês necessário
Mesmo com essa nota mínima, se o estudante obtiver uma nota um pouco mais baixa, mas acima de 70 (no TOEFL), ele poderá ser classificado para fazer o PSE (que é um curso de inglês já lá na universidade de destino, voltado para a vida acadêmica de duração de 3 ou 6 meses). Como meu curso é anual, eu só poderia viajar após julho e, o PSE começava em Junho. Se eu não tivesse conseguido uma nota acima de 90, eu não poderia ter participado. No fim desse curso, os estudantes são submetidos a um novo IELTS e, se tudo der certo, passam e começam o ano letivo na faculdade. Amigos meus que fizeram PSE disseram que aproveitaram o curso e que aprenderam muito.
Como funciona a escolha da Universidade?
Universidade da Thaís em Bristol
O processo varia de país para país (no caso dos EUA, o estudante não podia escolher a universidade e poderia ser alocado em qualquer uma do país). No caso do Reino Unido é diferente. Após a fase de homologação pela faculdade de origem, o estudante tem a opção de escolher 3 faculdades e cursos de acordo com sua preferência. Se a primeira opção não o aceitassem, eles mandavam sua incrição para a segunda e por aí vai. Caso nenhuma das 3 o aceitassem, ele seria realocado para uma outra universidade do país (e aí cabia a ele aceitar ou não).
O CNPq libera uma lista com todas as universidades participantes do programa e seus cursos disponíveis e eu fui pesquisando minhas preferidas, tem que ter MUITA paciência. No fim, minhas opções ficaram: 1) University of Bristol, 2) University of the West of England – Bristol (a que me aceitou e me deixou muito feliz) e 3) Middlesex University (coloquei porque o curso me interessou, mas eu não queria morar em cidade grande, Londres, então eu estava torcendo para que não fosse para lá). Depois de escolher as opções, é preciso escrever um Personal Statement (um texto falando bem de você e porque você deveria ser aceito naquela faculdade e naquele curso), esse foi um motivo de muito nervosismo, porque eu nunca sabia se o meu estava bom o suficiente, mas acabou que deu tudo certo.
Ponte de Bristol – Inglaterra
Como foi a escolha das matérias?
O bom da faculdade de lá foi que eu pude optar pelas minhas matérias e então acabei estudando bem o que eu queria mesmo, sem muitas surpresas.
Como era a sua rotina acadêmica?
As aulas começavam mais tarde do que eu estava acostumada, as 9 da manhã e havia dias em que eu só ia pra faculdade das 9 as 11, mas também tinha outros em que minhas aulas eram das 9h as 12h e das 14h as 17h. Essa era minha quinta feira, mas eu não tinha aula de sexta então era sempre um fim de semana prolongado após um dia maçante.
Turma de Intercambistas fazendo churrasco em Bristol
Como meu curso no Brasil não é aceito como Graduação na Inglaterra, eu tive que fazer um mais básico da área de Ciências da Saúde, mas acabei escolhendo matérias que me permitiram um aprofundamento na área de Cardiologia (Fisiologia e fisiopatologia), que eu não aproveitei muito bem na minha faculdade no Brasil. Aprendi muito! Muitos conceitos que eu nem me lembrava mais foram trazidos a tona e eu interpretava Eletrocardiogramas praticamente toda hora, sendo que no Brasil, essa matéria não foi muito bem dada.
Como funciona a moradia?
No caso da minha universidade, o CNPq pagou uma taxa diretamente à ela, referente à moradia. Isso foi muito importante e um alívio, porque não tivemos que sair procurando moradia em um lugar que mal conhecíamos. No entanto, não são todos os lugares que são assim, e os bolsistas recebem dinheiro a mais para pagar seu próprio flat ou outro tipo de acomodação. Eu sinceramente acho que dei sorte. Fiquei rodeada de amigos, numa acomodação estudantil, perto da universidade e não tive que me preocupar com aluguel e contas. Fomos divididos aleatoriamente em flats. No meu, moravam eu, Ingrid (outra brasileira) e mais 4 britânicos (2 meninas e 2 meninos).
A convivência era boa, a única coisa que eu não gostava muito é que não tínhamos banheiro próprio. Era um chuveiro para nós 6 e as vezes o nível de limpeza dos outros não é igual ao nosso né? Mas no meu flat não tinha nada muito absurdo e correu tudo bem.
A bolsa do governo cobre todos os custos?
Eu recebia 420 Libras mensais. Em cidades consideradas de alto custo (Londres, por exemplo), estudantes recebem uma quantia a mais para conseguirem sobreviver. A quantia era muito boa. Como já tínhamos acomodação e transporte pagos (cartão do ônibus), o dinheiro servia para supermercado, higiene pessoal, algumas compras, saídas e, se economizasse, até viagens. É certo que no UK as coisas não são das mais baratas, a carne era um absurdo tão grande que nem me lembro se cheguei a comprar, eu vivia de frango! Frutas e verduras também eram carinhas, no entanto, todas as besteirinhas, chocolates, doces e afins tinham um preço tentador!
Então as vezes se você exagerava nas compras da semana, havia uma possibilidade de você ter que passar o resto do mês comprando produtos “extra value”, “everyday”, de qualidade duvidável, ou até mesmo acumulando cupouns do Burger King ou KFC. Vida de estudante! O CNPq depositava de uma vez só a quantia referente a 3 meses, então você tinha que saber administrar bem. Não foram raros os momentos que pensei “to rica” e saí comprando comida deluxe e super premium e/ou jantando fora e acabei o mês encontrando a felicidade em 1.99 meals do Mcdonalds ou mendigando comida no flat de amigos.
Quais foram as suas dificuldades?
Os professores eram muito solícitos, sabiam que éramos estudantes estrangeiros e estavam sempre prontos para nos ajudar no caso de necessidade. As vezes, a linguagem acadêmica era um impasse. Perdi alguns pontinhos no meu primeiro Coursework por não ter utilizado uma linguagem tão compatível ao nível acadêmico em algumas partes. No entanto, no meu último Coursework, um poster, recebi ótimo feedback do professor, dizendo que minha linguagem estava brilhante. Confesso que fiquei orgulhosa de mim mesma e mostrei pra todos os meus amigos!
Uma imersão de cultura inglesa.
Culturalmente falando, sempre me interessei pela cultura britânica e também tive um apoio enorme do meu namorado e da família dele, o que fez com que eu me adaptasse muito rapidamente ao local. Hoje acho que posso até me descrever como uma brasileira com uma mistura britânica. A educação de lá foi o mais difícil acho. Não me considero mal-educada, muito pelo contrário, mas o povo de lá é o extremo. É “please”, “thank you”, “excuse me” por todo lado e no começo eu não estava muito acostumada. Aprendi até que, se você não entender o que alguém acabou de dizer, não se pode dizer “What?” porque é considerado rude. O correto é “Pardon?”. Mas depois de um tempo você pega o jeito. Agora me estresso por aqui quando alguém é mal-educado comigo.
Deu para viajar bastante? Que viagens você fez e qual foi a sua viagem preferida?
Uma das viagens da Thaís: ver neve na Suécia
Eu tive sorte de ter a ajuda financeira dos meus pais, além de tudo. E como na Europa tudo é perto, as passagens costumam ser tão baratas que era quase um desaforo não comprar. Era aquela coisa de administrar o dinheiro. Você podia comer as refeições premium na Inglaterra ou um humilde sanduíche em um país diferente. Fui pra Budapeste por 40 Libras ida e volta, eu nem acreditei quando vi e acabei comprando por impulso com amigos e foi uma das melhores coisas que eu fiz.
Viagens dentro da Inglaterra
Dentro da Inglaterra, eu pegava trem para vários lugares. Fui muito para Manchester, Londres, Portsmouth.
Viagens a outros países
Em relação à viagens para outros países, Hungria foi a primeira, no meio de Dezembro. Era inverno e estava muito frio, mas a cidade estava repleta de gente por causa dos “Christmas Markets” e tinha um charme que não acredito que seja igual no verão.
Meus pais foram me visitar no Natal e resolvemos ir pra Dublin (linda cidade, mas NUNCA vá no Natal! Tudo fechado, nem ceia tivemos).
Outra coisa, o inverno que passei lá na Inglaterra foi tão “ameno” que nem nevou. Fiquei tão decepcionada que me senti na obrigação de ir para algum lugar para ver neve. Foi assim que eu e minhas amigas fomos parar em Bergen, na Noruega (também por não mais de 50/60 libras). Cidade charmosa, rodeada de montanhas, um dos locais de saídas para explorar os tão famosos fiordes (infelizmente por um preço não tão acessível para nós). Para nossa tristeza e surpresa, também não nevou!
Apesar de termos adorado o lugar, a vontade de ver neve só ficou maior e tivemos provavelmente a idéia mais louca: vamos para o extremo norte, assim não tem erro! E foi assim que compramos nossa próxima viagem, em Março, para Kiruna, na Suécia. A cidade não tinha nada de interessante, as viagens feitas para lá nessa época do ano são apenas para turismo de neve mesmo, e era exatamente o que queríamos. Esquiamos, pescamos no gelo, andamos de snowmobile, dormimos em um iglu, comemos carne de renas e tantas outras atividades. Acho que escolho essa como a melhor, porque foi algo tão mágico, tão incrível e tão único, que até hoje parece que foi um sonho. Voltamos satisfeitas e botando inveja em todos!
Trenó na Neve – Suécia
Aí começou a primavera, fui para Mallorca duas vezes, em Abril e eu Junho. Lugar imperdível: praias maravilhosas, clima mediterrâneo, bares e restaurantes muito badalados. Em julho me deu outra loucura e comprei uma viagem pra Malta com uma amiga. Eu nem sabia muito do lugar, mas me parecia exótico e uma chance imperdível. Resultado? AMEI!
No fim do intercâmbio, em Agosto, meus pais foram me visitar mais uma vez e fizemos um cruzeiro pelo Mediterrâneo com a família do meu namorado também presente. Passamos por Kotor (Montenegro), Split (Croácia), Veneza, Costa Amalfitana, Roma e La Spezia (Itália) e Toulon (França). Sou apaixonada por cruzeiros e a companhia estava perfeita, fora ótimas 12 noites para finalizar um ano incrível!
Que dicas você daria para alguém que pensa em fazer Ciências sem fronteiras?
Se alguém estiver em dúvida, meu conselho é: vá e aproveite muito! Mesmo se for “perder” um ano/semestre na faculdade (como foi meu caso), as experiências que você adquire em um intercâmbio são inexplicáveis e valem muito a pena. A sua graduação pode esperar um pouco, a sua vida não. A hora para fazer um intercâmbio é agora, enquanto somos jovens!
Não me arrependo de nada e se pudesse eu ia de novo e aproveitaria tudo como na primeira vez, talvez até mais. No caso do Ciência sem Fronteiras, leia o edital corretamente, melhore suas notas se necessário, estude inglês e esteja pronto para um ano inesquecível!
Sobre a Thaís
Thaís Gonçalves é estudante de medicina, ama nadar e viajar. A Thaís já rodou o mundo e conhece a Europa especialmente bem!
Muito legal!
Muito legal! Post super util