Quarentena na Califórnia: uma visão bem pessoal da pandemia
7 de março e a casa cheia para comemorar o segundo aniversário do Caio. O que começou como uma festa pequena para os amiguinhos da escola, acabou ganhando um monte de convidados de última hora. Como um vai puxando o outro, me vi com umas 40 pessoas em casa celebrando o aniversário do nosso pequeno. Quem diria que seria a última vez – em sabe lá quanto tempo que celebraríamos juntos sem medo e sem o “tal do distanciamento social”
Preocupados, pero no mucho
O coronavírus havia recém-chegado na Califórnia e, com ele, líderes das principais empresas do Vale do Silício decretaram que seus funcionários poderiam começar a trabalhar de casa, o que significaria que o Gu e vários dos nossos convidados poderiam começar a trabalhar de forma remota já no dia seguinte.
De volta ao aniversário do Caio, em nenhum momento pensamos em cancelar a festinha, mas dois amigos alugaram carro para não virem de trem e duas amigas deixaram de comparecer pois seus filhos estavam com febre (nenhum dos dois era Covid). Durante a festa, lembro de conversar sobre a tristeza na Itália, sobre a velocidade como a coisa estava se espalhando e de discutir com mães da escola do Tom sobre “o que vamos fazer se a escola fechar” – confesso que só de pensar neste cenário já tremia na base.
Na época ainda achávamos que a Covid-19 era menos letal que uma gripe e que para nós, jovens, saudáveis e morando longe da família (o que na pratica significa que não temos ninguém maior de 60 próximo), seria um risco pequeno.
O rápido andar da carruagem
Na semana seguinte o Gu trabalhou de casa quase todos os dias. Ele ainda foi para o escritório para uma reunião importante na quarta-feira e eu levei o Tom para a escola e o Caio para o clube, já tomando o cuidado de lavar mais vezes as nossas mãos e começar a usar o álcool gel mais frequentemente (foi nessa semana que o álcool gel e os rolos de papel higiênico viraram itens de colecionador e evaporaram das prateleiras). Eu confesso que dei sorte neste quesito, como comprei papel higiênico no Costco (supermercado atacadista) no dia anterior a festa do Caio, sem querer querendo garanti meu estoque para a temporada. Quanto ao álcool gel, o pouco que tinha em casa sobreviveu até que a loucura acalmou.
A Covid-19 chegou na Califórnia e a força foi tamanha que rapidamente o governador decretou “shelter in place” fechando comércio, academias, escolas e mudando de um dia para o outro todos os nossos planos. Lembro de em um dia gravar mensagem para uma amiga querida dizendo que estava tudo bem vir para a Califórnia e dois dias depois sinalizar meu engano, dizendo que tudo estava fechado e que viajar naquele momento seria uma grande imprudência.
Lembro do meu desespero pensando que minha mãe, que embarcou para a Austrália na loucura e contra a vontade de todo mundo, poderia passar alguns meses presa por lá – ou pior, em Dubai (sua escola). Também fiquei com medo dela pegar essa porcaria, com 60 e poucos anos na testa e um pulmão que não é grande coisa, não ia ser legal.
Nossa quarentena
A coisa andou rápido, mas demorei para perceber o impacto do coronavírus no planejamento do site e na minha vida pessoal. Casamento de uma prima querida adiado, viagens canceladas – por enquanto 6 delas – e um impacto financeiro que ainda não sabemos o tamanho. Turismo, cerca de 90% da minha renda (o Gu tem outro trabalho! Ufa e graças!), foi um dos setores mais afetados pela crise e ainda não se sabe quando e nem como a coisa irá retornar.
De volta a quarentena passei por algumas fases distintas: negação, tristeza, cansaço e esperança. O mais difícil foram os primeiros dias: me reacostumar a nova rotina com crianças 100% dentro de casa (só para ajudar, choveu pacas) e tentar propor atividades novas. Cozinhei e devorei bolos e bolos por não ver luz ao final do túnel, por não conseguir conciliar satisfatoriamente trabalho, expectativas e realidade. Até que parei, respirei e escolhi.
Escolhi dedicar mais horas aos pequenos e deixar o trabalho um pouco de lado – sim, continuei pegando os freelas que pularam no meu colo, escolhi reduzir meu cronograma de postagens e cancelar alguns projetos paralelos que vinha sonhando e investimento boa parte das minhas horas. Privilégio? Imenso. De poder parar, de poder escolher. Aceitei o privilégio sem recebimentos, reencontrei o prazer de recortar papel (algo que amo desde pequena) e de criar formas de papelão de brincar. Que delícia reviver este meu lado artístico há tempos enterrado pela loucura da rotina.
Assim que a chuva deu uma trégua, incluí caminhadas e passeios ao livre na nossa rotina. Sempre tive – e continuo tendo – muita dificuldade de ficar com duas crianças em casa, então aproveitei meu tempo “livre” para tirá-los de casa, desenvolver as habilidade das crianças (o Tom finalmente aprendeu a andar de bicicleta com rodinhas), correr na rua e andar de patinete.
Projetos de quarentena? Tivemos muitos! Nossa horta saiu do papel, o Gu acabou a reforma da casa (e ainda inventou umas novidades não planejadas) e ainda compramos o forno de pizza que tanto sonhávamos. Os meninos foram nossos pequenos ajudantes e viram cada coisinha da casa ir tomando forma.
O que quero lembrar? Como os meninos cresceram, como o Tom melhorou sua coordenação, como o Caio aprendeu novas palavras, da vinda das professoras de carro aqui em casa, da festinha de promoção de ano via Zoom. Dos quebra cabeças – dezenas e dezenas – que montamos e remontamos, e dos “abraços” (entenda por beijo melado) que o Caio cisma em nos dar no nariz. Não está sendo fácil, mas vai passar! E quero sair dessa mais forte, mais preparada e mais consciente.
O novo normal
Aos poucos as regras vão afrouxando, vamos reconquistando nossas liberdades – como uma primeira viagem de trailer para o Zion National Park – e percebendo que tínhamos uma vida incrível e que não dávamos o devido valor.
Repenso minhas prioridades:
- Cuidar de nós;
- Cuidar de mim;
- Repensar meu caminho profissional – ainda vou esperar um tiquinho para mexer neste formigueiro;
- Tentar reduzir minha pegada ambiental;
- Estudar educação infantil;
- Gerar algum impacto positivo no planeta.
- Exercitar meu lado artístico.
Ainda não sei bem como será o nosso novo normal, tudo o que sei é: será diferente!
Mari, muito bom ler esse seu relato.
Nossa “parada obrigatória” nos fez repensar mil coisas, né?
Hoje mesmo eu contabilizei e, por aqui, estamos há 101 dias nessa loucura.
Nunca aprendemos tanto sobre o tal mindset de crescimento como agora, na marra.
Sigamos!!
Ahhhh eu também amo recortar!!! Sou da Saúde, não posso quarentenar… Nem tirar férias, nem descansar em feriados… Guardei meus planos de viagem (eram três para 2020) e agradeço que a covid não me levou e ainda estou aqui para contar (e viver) histórias.
Oi Ana,
Super brigade apor seu trabalho duro durante a quarentena. Graças a pessoas como você podemos todos ficar bem.
Um abraço forte (e os planos de viagem virão na hora certa!)